🌳Como funcionam os mercados de créditos de carbono? Mercados regulados e voluntários

31 de maio de 2020

Há diversos formatos e estruturas de mercados de créditos de carbono que funcionam concomitantemente, em paralelo. No entanto, todos têm os mesmos três propósitos: conter a poluição do planeta com ações positivas, penalizar as empresas e países que poluem acima do estipulado por regulação e permitir investimentos tanto de pessoas quanto de empresas no meio ambiente. Ascensão e queda (e recente recuperação) dos mercados de carbono Comecemos pelos mercados regulados. Nestes mercados, o governo estabelece a figura de um órgão regulador, que tem a função de garantir o cumprimento de regras e limites de poluição anuais. A cada ano, o regulador determina um preço mínimo e limite de poluição anual que deve ser seguido por todas as empresas. Devido à crise financeira global de 2008, os mercados regulados se desorganizaram por um tempo. Por que esse mercado regulado global, o CDM (“Clean Development Mechanism”), se desintegrou e os países ricos desregularam seus mercados? Houve um aumento e bolha especulativa em créditos de carbono entre 2006 e 2008, que levaram o preço de carbono global a subir de 5 dólares a 27 dólares. Esta bolha foi exacerbada em 2008 pela farta liquidez global e pela expectativa de que Barack Obama ganharia as eleições, assinaria o protocolo de Kyoto e implementaria um sistema de “cap and trade” (regulado) de créditos de carbono nos EUA (além de aumentar em trilhões de dólares os investimentos em energia renovável e na chamada “economia verde”).

Como sabemos, veio a crise do subprime ao final de 2008, e o presidente Obama enfrentou forte resistência do Senado e Congresso republicanos para implementar as medidas mencionadas acima. Posições de investimento alavancadas no crédito de carbono foram desfeitas, e o preço global despencou (chegando a 3 dólares em 2013). A posterior crise econômica na Europa, continente mais ambientalmente consciente e mais avançado na regulação ambiental, exacerbaram a crise, e levaram a um movimento de desregulação global que perdurou até 2017. Em 2017, a Europa se regulou novamente e hoje o preço do crédito de carbono atualmente é de 25 euros (era 10 euros ano passado). O regulador já estabeleceu uma escadinha na qual o preço do crédito de carbono europeu subirá de €5 a €10 por ano até chegar em €65 em 2026. Por que este número de 65 euros? Porque há vários estudos, inclusive das Nações Unidas, que concluem que este é o valor que levaria o mundo a compensar/neutralizar suas emissões antropogênicas (de responsabilidade do homem). Há outras instituições de pesquisa que mencionam valores bem mais altos que os 65 euros para o equilíbrio ambiental do mundo. Institutos respeitados, como o London School of Economics, por exemplo, trabalham com a hipótese de 80 dólares em 2030 (11-20 vezes maiores que os preços de venda atuais no Brasil) e 180 dólares em 2040. Ainda sobre o conceito por trás do cálculo deste preço de equilíbrio: a NASA, que monitora o clima detalhadamente há mais de 70 anos, tem estudos que mostram que as premissas das pesquisas que estabeleceram os preços de equilíbrio feitos pela ONU estão defasadas. Ou seja, o aquecimento global e seus consequentes sintomas, como derretimento das calotas polares, eventos climáticos extremos, aquecimento da temperatura dos oceanos, entre outros, têm sido muito maiores do que anteriormente esperado. Essas recentes consequências acima do esperado (e impactos mais altos que o projetado anteriormente) provavelmente implicarão no futuro em um aumento do preço de equilíbrio do crédito de carbono por parte de institutos de pesquisa do clima. No mundo, vários outros mercados além da Europa também são regulados - einclusive seguem o Mercado Europeu - como a Nova Zelândia e a China (70% do PIB global é regulado hoje em dia – ou seja, estabelecem um preço mínimo de negociação e limites de poluição por país e por setor). O país mais populoso do mundo e segundo PIB global regulou seu mercado de crédito de carbono em 2020. Nesses mercados, cada crédito representa uma tonelada de carbono, o equivalente ao volume de emissão que foi evitada naquele ano específico. Todo o crédito de carbono é igual no mundo, independentemente de como ele foi gerado. Essa é uma premissa importante pois assegura a credibilidade e eventual fungibilidade desses créditos globalmente. Mas se os créditos de carbono são fungíveis e sempre iguais, por que há tanta diferença de preços entre os mercados regulados globais e o voluntário? Por que não posso comprar o mesmo crédito de carbono a US$ 7 no Brasil e vender a US$ 27 na Europa? No passado (de 2005 até 2012), o mercado regulado era global e havia fungibilidade. A prefeitura de São Paulo fez dois leilões de créditos de carbono do aterro sanitário dos Bandeirantes, na BMF, de 500 mil toneladas a 20 dólares em 2008 e 700 mil toneladas ao mesmo preço em 2012 (para colocar em perspectiva como o mercado global se desintegrou, qualquer um pode comprar o quanto quiser destes créditos hoje em dia a preços entre 1 e 2 dólares). Até 2012, havia bolsas líquidas de créditos de carbono em Chicago (CCX) e Londres, e as transações globais seguiam os preços destas bolsas como referência. Os compradores dos leilões da prefeitura de SP foram estrangeiros que venderam esses créditos na Europa para empresas que tinham que cumprir com limites de poluição estipulados pelo regulador. Por que isso não é mais possível? Pelas razões expostas no começo: as crises globais levaram a uma forte queda do preço dos créditos de carbono globalmente entre 2009 e 2017, e à desregulação dos mercados globais. Há uma outra razão: os mercados regulados, que antigamente eram abertos e consideravam créditos como fungíveis, hoje em dia são fechados e locais. Após o "crash" do mercado de carbono entre 2009 e 2017, a ONU e reguladores globais notaram que no sistema antigo (no qual os mercados globais regulados eram abertos a créditos de outras regiões do mundo) o preço não subia ao nível necessário para desincentivar a poluição das empresas. Quando o preço subia no mercado global, entrava oferta de países emergentes como o Brasil, e o preço voltava a estabilizar no nível de 20 a 22 dólares. A visão atual dos reguladores, neste movimento de retorno ao mercado global regulado que existiu até 2012, é de fechar os mercados regulados a demanda e oferta locais. Sua meta é de só abrir os mercados regulados a outros países e regiões quando a oferta local de permissões (“allowances”) tiver reduzido substancialmente (afinal de contas, permissões para poluir eventualmente tendem a zero, dado que há um espaço limitado para que empresas maduras, de países desenvolvidos, reduzam seus níveis de poluição). Quando o preço for alto o suficiente para desincentivar a poluição em suas regiões, ou seja, quando estiver próximo dos 70-75 dólares em 2026 na Europa, o regulador provavelmente abrirá o mercado regulado europeu a créditos gerados em outros países, especialmente os emergentes (que têm preços bem mais baixos atualmente). E aí os preços de créditos de carbono de mercados emergentes como o Brasil tenderão a subir para chegar ao nível dos regulados e atingir um único preço global, bem mais alto que o atual – uma oportunidade única de alto ganho potencial para quem acreditar nesta eventual arbitragem global e comprar hoje créditos de carbono gerados no Brasil como investimento. Como atuar (e investir) no mercado de créditos de carbono Em paralelo aos mercados regulados, sempre existiu o mercado voluntário, global e de protocolo internacionalmente reconhecido. Nele, empresas que compram créditos de carbono para compensar suas emissões o fazem de forma voluntária, principalmente por uma questão de imagem corporativa. Os consumidores de países ricos já têm o cenário climático mapeado e querem ver nas empresas não só conscientização, mas ação!

Como resultado disto, muitas empresas têm anunciado ações para neutralizar suas pegadas de carbono. Este ano, Amazon e Microsoft anunciaram promessas de neutralização de suas pegadas de carbono até 2030 — o que se chama em inglês de "neutral pledge". Essas duas empresas juntas emitem 60 milhões de toneladas de CO2 ao ano (12x a oferta anual de créditos originados atualmente no Brasil). Isso significa, portanto, que elas vão comprar 60 milhões de créditos de carbono por ano até 2030.

Como uma pessoa comum (como você) pode atuar neste mercado? Hoje existem milhares de plataformas digitais que disponibilizam calculadoras de emissões pessoais (a pegada de carbono, ou “carbono footprint” em inglês). Essas plataformas calculam a pegada pessoal do usuário, e, ao final do cálculo, oferecem o serviço de vender e cancelar os créditos necessários para compensação da pegada (efetivamente criando um sistema de doação pessoal do usuário para projetos ambientais ou de energia limpa, geradores dos créditos). O usuário transfere dinheiro para os projetos, e em troca ganha a satisfação de saber que está contribuindo para a redução da poluição do planeta. Tomemos, como exemplo, voar de avião. Este é o item que mais gera poluição para um indivíduo. O usuário informa na plataforma digital o quanto voou em um ano, e o crédito gerado pela sua pegada pode ser comprado no mercado. A título de exemplo, no Brasil, a média de emissão de poluentes de cada indivíduo gira em torno de oito toneladas por ano. As plataformas atuais (descritas acima) não permitem que usuários carreguem o crédito de carbono como ativo pessoal e capturem eventual aumento de preço. Para os que desejam carregar os créditos como investimento, acredito que a única opção atualmente disponível no mercado global seja a Moss, empresa que fundei há 2 meses, e que cria contas pessoais no registro global para a compra de créditos de carbono da Amazônia: https://moss.earth/pt-BR A Moss também disponibiliza uma plataforma interna, proprietária, de negociação, para que seus clientes transacionem seus créditos de carbono e tenham liquidez em seus investimentos. Voltando ao mercado voluntário, há dois tipos de demanda: das empresas e das pessoas. E não sejamos inocentes: as empresas estão comprando porque há uma demanda cada vez mais alta dos consumidores na Europa e nos Estados Unidos para que elas não causem dano ao meio ambiente. O número de pessoas ambientalmente conscientes, que não consomem produtos de empresas que não se neutralizam, é enorme e crescente. Como exemplo desta tese, 75% dos europeus que compram passagens aéreas compensaram suas pegadas de carbono no último ano.

Esta solução é digital, fácil e hoje todas as empresas aéreas europeias adaptaram seu processo de venda de passagens para oferecer a seus clientes a opção da compensação de seus vôos. Esta prática de compensação por compra se estende a muitos outros serviços e produtos nos países ricos atualmente: aluguel de carros, compra de roupas, café, produtos de supermercados, etc. A mentalidade está definitivamente mudando de forma positiva e imaginamos que não demorará para essa prática chegar ao Brasil. Quem gera créditos de carbono no mercado voluntário? Existem quatro tipos de créditos principais: os florestais, os de energia limpa, os de aterro sanitário e os de biomassa. Começando pelos florestais: eles são subdivididos entre áreas de reflorestamento e áreas de preservação. Os de energia limpa, em segundo lugar, são simples de entender: uma empresa constrói um parque eólico ou solar com capacidade de substituir a geração de energia movida a carvão ou diesel. A construção de parques de energia limpa evita a poluição por uma outra forma de energia suja (térmicas a carvão, diesel). O terceiro tipo é o aterro sanitário. A matéria orgânica em decomposição libera muito gás metano, e apesar de ser muito menos volumoso em nossa atmosfera, ele é muito mais poluente que o CO2 — de 20 a 30 vezes mais. A solução para evitar a poluição dos aterros sanitários é simples: instalar usinas ou tubos de queima deste gás nos lixões. Finalmente, o quarto tipo de crédito de carbono voluntário é o de biomassa. Neste caso, o conceito é voltado para pequenas empresas que tenham fornalhas, como pequenas fábricas de tijolos, de ladrilhos, de cerâmica etc. A energia utilizada, anteriormente provinda da queima de madeira de desmatamento das florestas, é substituída por combustíveis renováveis. Exemplos destes materiais são bagaço de cana, casca de amendoim, casca de fruta, restos de serralheria, entre vários outros produtos que se renovam constantemente. Essa substituição não só polui menos como diminui muito o desmatamento de biomas locais. O aquecimento global é o maior desafio da humanidade nos próximos 50 anos. Estamos em uma era em que empresas e pessoas serão cada vez mais responsáveis por suas pegadas de carbono. O mercado de créditos de carbono é uma solução viável, simples e inteligente que promove mudanças em diversas frentes, auxiliando na questão do aquecimento global, preservando as florestas e sua biodiversidade bem como as comunidades locais, e estimulando tecnologias sustentáveis em nosso processo produtivo. Não é um sistema perfeito, certamente ainda apresenta falhas, mas é similar ao capitalismo e democracia: mesmo imperfeitos, são as melhores opções atualmente existentes para organização de nossa sociedade.

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