🌳Pitacos sobre CO2, créditos de carbono a 100 dólares e CBIOs

22 de janeiro de 2021

Depois de dedicar cerca de 18 anos ao mercado financeiro, Luis Felipe Adaime está em uma missão: salvar o mundo. Para isso, ele quer abrir o – até hoje – hermético mercado de créditos de carbono para o investidor comum. O plano começou a ser colocado em prática com a fundação da Moss, uma fintech que já é a maior negociadora de créditos de carbono do mercado voluntário no Brasil. Em entrevista à BiodieselBR.com, Adaime falou sobre como o RenovaBio deve afetar a oferta de créditos de carbono no mercado brasileiro. Ele também tratou sobre o interesse de investidores que não são obrigados a compensar suas emissões por meio da compra de CBios. Quais foram os motivos que levaram você a fundar a Moss? E qual é o papel que você espera que a empresa desempenhe? Quando resolvi sair do mercado financeiro, no final do ano passado, decidi que queria fazer alguma coisa que tivesse impacto positivo para o mundo. Hoje, o principal problema global são as mudanças climáticas. E ponto final! Não se trata de uma opinião minha, pois mais de 97% dos cientistas do mundo concordam que esse é um desafio existencial para a humanidade. Um aumento das temperaturas médias em 2 °C e 3 °C nos próximos 50 anos pode parecer pequeno, mas as consequências já seriam drásticas: a produção global de alimentos cairia entre 30% e 50%, haveria migrações em massa para as zonas temperadas à medida que os trópicos ficassem muito quentes e o derretimento das calotas polares levaria à submersão das cidades litorâneas. E se chegarmos aos 4 °C ou 5 °C das projeções mais pessimistas, as consequências seriam ainda mais dramáticas. O cenário é de caos e não é algo que vá acontecer daqui a 300 anos, mas daqui a 50. Sempre me pareceu que a solução para isso passava por internalizar os custos das emissões de gases do efeito estufa, garantindo que as empresas paguem pelo carbono que colocaram na atmosfera. Esse é justamente o papel dos créditos de carbono. Como as emissões continuam subindo – elas mais que dobraram nos últimos 10 anos –, e os efeitos das mudanças climáticas estão muito mais evidentes, percebi que esse seria um negócio com cada vez mais demanda. Pesquisando, descobri que dois terços do PIB global já são regulados de alguma forma. China, Europa, boa parte dos Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Japão, Coreia do Sul: todos já têm seus mercados de carbono. Além disso, o mercado voluntário é cada vez menos voluntário. Tem uma pressão enorme para que as empresas se responsabilizem e adotem metas de descarbonização. Isso me fez perceber que tem uma oportunidade de investimento muito boa em créditos de carbono, mas, quando fui ver como eu poderia investir nesse mercado como pessoa física, descobri que não tinha como. Nem aqui e nem em lugar nenhum do mundo. Foi por isso que resolvi fundar a Moss. A Moss está operando desde quando? Começamos em 15 de março de 2020. Nos primeiros três meses, a gente já transacionou 405 mil toneladas de carbono focando só em projetos na Amazônia, com um valor de aproximadamente US$ 5 milhões. É um valor maior que o da Natura que, hoje, é a maior compensadora de emissões do Brasil. Ela negocia cerca de 330 mil toneladas de carbono por ano. De onde estão vindo os créditos de carbono que vocês negociam hoje? Do mercado voluntário criado em torno de um protocolo global chamado Verified Carbon Standard. A gente compra de projetos de manejo sustentável na Amazônia. São projetos que preservam grandes áreas, de 150 a 200 mil hectares, e remuneram atividades de silvicultura, extrativismo e manejo florestal sustentável, que ajudam a conservar a floresta de pé. De que forma a chegada do RenovaBio afeta o panorama da oferta de créditos de carbono no Brasil? É muito positivo por diversos aspectos. O RenovaBio é muito bem desenhado. Ele é o primeiro mercado de cap and trade regulado do Brasil. O governo fixa um limite – esse é o ‘cap’ – para as emissões de um grupo de empresas e obriga que elas comprem – onde entra o ‘trade’ – créditos de carbono para fazer a compensação. É o mercado de carbono em seu formato clássico: você penaliza quem emite muito e beneficia quem evita poluição. No caso do Brasil, temos as distribuidoras de combustíveis sendo obrigadas a comprar créditos gerados pelos fabricantes de biocombustíveis. É um projeto que está começando muito grande. Mesmo depois das metas terem sido revistas, ainda devem ser movimentados 14 milhões de CBios. Isso é bastante. O mercado voluntário, no qual a Moss transaciona, movimenta 5 milhões de créditos por ano. O RenovaBio já seria três vezes maior em seu primeiro ano. Existe uma expectativa por parte do Ministério de Mineas e Energia de que os CBios consigam atrair outros compradores além das distribuidoras. O quanto essa expectativa é razoável? Todo o mercado voluntário compra créditos de carbono, mesmo não estando obrigado. É um mercado de US$ 250 milhões ao ano e que está crescendo. Nos últimos anos, temos visto muitas empresas anunciando metas de descarbonização. Só este ano, tivemos empresas como Amazon, Microsoft, Unilever e Vale anunciando planos de zerar emissões dentro de alguns anos. Claro que parte disso vai sair de melhorias em atividades industriais, trocando processos poluentes por outros mais limpos. Mas uma parte importante vai ter que vir da compra de créditos de carbono. Só a [companhia aérea dos EUA] JetBlue tem emissões de 8 milhões de toneladas por ano. É carbono pra caramba. Sozinha, ela equivale a mais de metade da meta deste ano do RenovaBio. Então, sim, vamos ver um aumento grande na compensação voluntária de empresas. Também temos iniciativas de compensação das emissões por parte de indivíduos. Isso está muito em voga nos países escandinavos. Lá, quando você vai comprar, por exemplo, uma calça, tem a opção de neutralizar as emissões na hora da compra. Com os incentivos corretos, o RenovaBio seria um primeiro passo. Um primeiro passo na direção do quê? O Ministério da Fazenda tem uma iniciativa chamada Projeto Partnership for Market Readiness (PMR). Ela já existe há alguns anos e prevê a formalização de um mercado regulado de cap and trade no Brasil, o que envolveria vários setores da economia e incluiria créditos de carbono de outras fontes. O RenovaBio poderia ser um primeiro passo nessa direção. Agora que já temos os CBios sendo negociados na B3, ficaria mais fácil para acoplar créditos de carbono de outras fontes. E qual seria o potencial de um mercado nacional? No ano passado, a Schroders divulgou um relatório chamado “O Brasil é a nova Arábia Saudita?”, onde calculava o potencial do mercado de carbono para o Brasil. Pelas contas deles, com a nossa cobertura florestal e nossa matriz energética limpa, poderíamos gerar cerca de 1,5 bilhão de créditos de carbono. Se capturássemos todo esse potencial, a economia brasileira poderia crescer até 7%. Com o mercado de CBios já devidamente montado, o governo fica com a faca e o queijo na mão. Bastaria ampliar o marco regulatório. Para o Brasil ser a Arábia Saudita do crédito de carbono precisaríamos de um mercado internacional organizado. Hoje seria possível vender CBios para outros países? O que falta para que o carbono vire uma commodity? Como os CBios fazem parte de um protocolo totalmente brasileiro, isso não é reconhecido por outros países; então, a resposta é não. Ele só pode ser usado aqui. Mas já houve tentativas de estabelecer um mercado global de carbono como o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) das Nações Unidas. Os créditos de carbono criados por esse esquema seriam completamente fungíveis. A Prefeitura de São Paulo chegou a fazer leilões de créditos de carbono emitidos pelo MDL. Mas esse foi um mercado que acabou abalado por seguidos crashes. Além da quebra causada na esteira da crise econômica mundial de 2008, ele foi duramente atingido quando o governo Obama falhou em fazer os Estados Unidos finalmente aderirem ao Protocolo de Kyoto. Como os operadores vinham operando na expectativa do maior país poluidor do mundo começar a fazer suas empresas compensarem suas emissões e isso não aconteceu, os preços despencaram. Por isso, os mercados foram se tornando locais: a China só compra créditos da China; a Europa só compra da Europa e assim por diante. Mas eu acho que isso é algo temporário. A visão de longo prazo ainda é voltar a abrir tudo de novo, quando as pessoas e as empresas estiverem mais educadas sobre o tema e aceitarem a compensação das emissões como um fato da vida. E quanto ao preço dos créditos? Tem um cálculo do FMI e da London School of Economics sobre que preço o carbono deveria atingir para que as emissões globais caiam o suficiente para manter o aquecimento global abaixo daquele limite de 2 °C. Nas contas deles, teria que ficar US$ 70 e US$ 100. Eu acho que estaria mais perto de US$ 70 do que de US$ 100. E não tenho dúvidas de que vamos conseguir chegar lá porque o sentimento de urgência em relação ao tema vem aumentando no mundo inteiro. Mas isso seria para o longo prazo. Se você tivesse alguns CBios em mãos e precisasse vender nos próximos dias, qual seria um preço que faria você pensar ‘vendi bem’? Vai depender do quanto custou e de qual é o horizonte. Eu acho que a US$ 10 o CBio é uma bela compra. Está de graça. Na verdade, até uns US$ 17 ou US$ 18 eu estou comprando. Se fosse para vender, eu esperaria chegar a uns US$ 20. Na Europa, temos créditos de sistemas de cap and trade idênticos aos CBios sendo negociados a US$ 27 e acho que eles devem chegar em US$ 35 no ano que vem. Os créditos de carbono são realmente iguais entre si? Na eventualidade do RenovaBio se tornar mesmo um mercado de carbono amplo, os CBios competiriam em pé de igualdade com créditos gerados pelos projetos de preservação da Amazônia? Do ponto de vista teórico, os créditos de carbono deveriam ser negociados como soja, milho ou petróleo. Seria uma commodity. O conceito é que um crédito vale uma tonelada de carbono cuja emissão tenha sido evitada em algum momento no passado. Mas temos algumas questões. Uma diferença fundamental é se esse crédito expira depois de alguns anos ou não. Também podemos ter externalidades positivas que vão além da emissão de carbono. Alguns protocolos de certificação na Amazônia exigem que sejam desenvolvidas outras ações além do sequestro de carbono. No caso dos CBios, isso não existe. E dá para resolver a tensão entre as distribuidoras que estão obrigadas a comprar CBios e outros investidores? O problema é que a ideia de um sistema de créditos de carbono é realmente jogar os preços para cima. Afinal, o que a gente quer é reduzir as vendas de combustíveis fósseis. É um ônus que vamos ter se quisermos mudar todo o sistema. Não vai adiantar chiar. E não estamos cobrando nada pelo passado. A indústria do petróleo pôde poluir durante 100 anos e não teve que pagar nada. Acho que, no futuro, nossos filhos e netos não vão entender como a gente achava normal andar em um carro que queimava petróleo da mesma forma que a gente não entende poder fumar dentro de um avião. RESUMO O que é CBio? Como surgiu e quanto ela equivale em carbono? CBio eh um credito de compensação (não éum protocolo reconhecido internacionalmente como crédito de carbono - só é reconhecido no Brasil) para o setor de combustíveis brasileiro. Como é calculado? Regido pela ANP, o programa Renovabio exige que as distribuidoras de combustível comprem CBIOs do setor sucroalcooleiro/usineiro se venderem gasolina acima de um limite anual pré estabelecido. O conceito aqui é incentivar a venda de etanol ao invés de gasolina, dado que o etanol emite 4 vezes menos gás de efeito estufa por unidade de energia (joule) em relação à gasolina. Estima-se quanto a venda acima do limite de gasolina pelas distribuidoras gera de CO2 a mais, e converte-se essas toneladas em cubos (1 cbio = emissão de 1 ton CO2 evitada). De quem eu compro créditos de descarbonização? Os CBIOs são comprados na B3, algo muito complicado para pessoa física. A única plataforma global que oferece/transaciona créditos de carbono internacionalmente conhecidos é a Moss: www.moss.earth Qualquer pessoa pode comprar? Sim. Por que a compensação de emissão de gases do efeito estufa é um bom negócio? A compensação passou a ser uma exigência dos Millennials e jovens consumidores, que exigem que as empresas que produzem o que consomem mitiguem os danos ambientais. A empresa com melhor imagem ambiental já vende mais que a que nao faz nada a respeito e não polui, e essa tendência tende a se fortalecer à medida que os millennials ganhem poder aquisitivo, aumentem em número (já são 50% da PEA global) e passem a ser o grupo demográfico mais relevante globalmente.

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