🌳Internalizando a Externalidade

25 de maio de 2020 - Como funciona e para que serve o mercado de crédito de carbono, diferentes soluções e diferentes tipos de mercado

A mudança climática já faz parte do nosso dia a dia. Isto é algo inegável e já perceptível, pois acarreta em anomalias climáticas que antes não existiam, como ciclones e furacões mais potentes, incêndios mais frequentes, desertificação de diversas áreas, entre outros impactos. Nós, como humanidade, emitíamos 20 bilhões de toneladas de gás carbônico nos anos 1990, e hoje em dia produzimos entre 35 e 40 bilhões. Estima-se que esse número pode ser subestimado e ser, na realidade, mais próximo a 50 bilhões de toneladas ao ano. Se este for o número real de nossa poluição global, destes 50 bilhões, somente 11 bilhões são compensados via compra de créditos de carbono. Portanto, há um mercado potencial - ou uma lacuna a ser preenchida via compensação (ou seja, a compra de créditos de carbono) de cerca de 40 bilhões de toneladas globalmente de nossa poluição anual — ou US$ 1 trilhão no preço médio atual do crédito de carbono no mundo.

Qual é o conceito do crédito de carbono? E o que é essa tal de “externalidade”? O crédito de carbono atribui um custo à poluição. A ideia do mercado de crédito de carbono é penalizar quem polui mais, premiar aqueles que poluem menos e remunerar projetos ambientais/energia limpa. A poluição economicamente é considerada uma “externalidade”. Para quem não estudou economia na faculdade ou não acompanha a economia de perto, a externalidade é um efeito colateral, uma falha de mercado que não está contemplada no sistema econômico clássico. A maioria dos economistas neoliberais e clássicos, como Adam Smith e John Stuart Mill, consideravam nos séculos 18 e 19 que a natureza era externa à sociedade e que o homem sempre foi um ser superior que dominava a natureza e explorava seus intermináveis recursos (ao menos essa era a visão consensual da época). Por isso, a natureza sempre foi considerada uma entidade à parte do sistema econômico.

Portanto, qualquer efeito positivo ou negativo da natureza é considerado (ainda hoje, por incrível que pareça) uma externalidade pela economia clássica/neoliberal. Inclusive, por essa razão, há um argumento mais recente feito por novos economistas revisionistas (Kate Raworth, Daniel Wahl) de que devemos começar a contemplar a natureza como parte integral do sistema econômico e seus recursos como escassos, para que tenhamos uma visão completa do funcionamento de nossa sociedade e de nosso planeta (assim como são considerados recursos escassos mão de obra, o nosso tempo e nosso dinheiro).

As externalidades podem ser positivas ou negativas. Um exemplo de externalidade positiva é aquela gerada pelo Vale do Silício, onde há uma concentração de diversas faculdades técnicas e de engenharia. O efeito colateral positivo destas faculdades localizadas próximas umas às outras é a geração de empregos técnicos de alto nível, o desenvolvimento econômico mais alto e a constante inovação tecnológica. As pessoas que moram na região do Vale do Silício, ou que mudaram para lá nos anos 1950 e 1960, não pagaram por este efeito colateral positivo. Essas pessoas recebem esses benefícios como um prêmio pelo qual elas não pagam nada.

O mesmo conceito descrito acima, com impacto inverso, aplica-se para a poluição. Esta é uma externalidade negativa, e o comportamento da Petrobrás é um bom exemplo do funcionamento disso.

A Petrobrás polui ou emite 60 milhões de toneladas de CO2 ao ano. Se ela emitir dois bilhões de toneladas, ou dois trilhões, para a empresa não faz diferença e ela não mudará em nada sua atividade, pois o Brasil não é um mercado regulado. Ela não é forçada a pagar pelo custo dessa poluição, mas essa poluição tem claramente um custo para a humanidade globalmente: fica mais difícil respirar, morremos mais cedo, somos acometidos com uma série de doenças, entre outros numerosos efeitos deletérios sobre nós.

Como se "internaliza" essa "externalidade", então? Como se obriga uma empresa poluidora a considerar esse custo social como seu também, portanto atendendo seus interesses aos do resto da humanidade, que exige uma postura mais responsável das empresas, para que elas poluam menos e não agridam tanto o planeta? Bem, a solução é colocar um preço na poluição, e forçar as empresas poluidoras a pagarem por isso. É deste conceito que surgiu o mercado e o sistema de crédito de carbono. O exemplo clássico da externalidade nas aulas de economia: "a tragédia dos comuns":

O sistema de compensação e negociação de créditos foi idealizado na Eco 92, no Rio de Janeiro, também conhecida como a primeira “Conference of the Parties” — conferência global de clima de todos países. Àquela ocasião, todos os países do mundo se reuniram para discutir as mudanças climáticas, poluição e meio ambiente. Em 1997, foi negociado e assinado o Tratado de Kyoto, que começou a implementar um mercado regulado em 2005.

O primeiro mercado regulado de carbono era global e era organizado pela ONU, chamado CDM — Clean Development System, ou MDL em português, Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Após assinarem o Tratado de Kyoto, quase todos os países do mundo eram regulados, com a notável exceção dos Estados Unidos, o maior poluidor do mundo. Até o Brasil era regulado em um sistema chamado de cap and trade, que funciona da seguinte maneira: cap em inglês quer dizer “limitar” e trade, “negociar”. O regulador estabelecia metas para os países numa "escadinha" decrescente. Como exemplo, digamos que a emissão de um país fosse de um bilhão de toneladas no ano, considerando o ano de 1990 como base para o cálculo. No ano seguinte a meta seria 950. No outro ano, 900, e assim adiante até chegar a zero.

O Tratado de Kyoto também levou os países signatários a estabelecerem metas setoriais. O setor de companhias aéreas como exemplo tinha uma meta. Coloquemos ilustrativamente uma meta de 2 milhões de toneladas ano. No caso da Europa, se a Alitalia poluísse 3 milhões (ou seja 1 milhão acima da meta anual de 2), a empresa seria forçada pelo regulador europeu a comprar um milhão de certificados de CO2, ou “allowances” (literalmente em inglês “permissões para poluir”), nas bolsas organizadas de carbono na Europa. Ou seja, a Alitalia, por poluir a mais que a meta/limite, tem um custo financeiro por sua poluição extra. Como esse papel, a “allowance”, custa atualmente 25 dólares, a Alitalia tem um custo financeiro de 25 milhões de dólares porque ela poluiu 1 milhão a mais do que a meta.

Como contraponto, se outra empresa europeia como a Lufthansa emitiu (poluiu) neste mesmo ano 1 milhão de toneladas de CO2 (1 milhão a menos do que a meta), a empresa terá um benefício financeiro ao certificar um milhão de papéis que ela pode vender no mercado. A Lufthansa portanto seria recompensada em 25 milhões de dólares pela sua maior eficiência. Ou seja, o sistema cria um incentivo para as empresas mais poluidoras para a poluir menos (porque elas têm um custo maior pela poluição acima da meta e dói no seu bolso) e as empresas que poluem menos têm um incentivo para continuar a pesquisar e a manter as suas melhores práticas ambientais. Assim funcionam os mercados regulados atuais, como o ETS (Emission Trading System) da Europa e o ETC de províncias chinesas. O nosso CBIO, o mercado regulado de créditos de carbono do etanol, é um exemplo de “cap and trade” e potencialmente pode vir a ser o embrião de um mercado regulado mais amplo no Brasil. CAP & TRADE: ETS (emission trading system) - EU, CBIO

Outros dois instrumentos de carbono que existem são: (1) o “Carbon Tax” (imposto de carbono), e (2) créditos voluntários.

O primeiro, o “Carbon Tax”, é usado em países de maior presença do Estado na economia e maior cultura de social democracia, como países escandinavos e a França. Especialistas acreditam (e eu concordo) que o “carbon tax” é menos eficiente do que o sistema de mercado “cap and trade”, porque o preço do carbono pode ficar muito alto ou muito baixo, dado que é determinado arbitrariamente pelo governo ou regulador. Pode-se acabar onerando a indústria mais poluidora de uma maneira desnecessariamente alta e causando um impacto econômico demasiadamente nocivo. Corre-se o risco também do preço ser estabelecido num patamar muito baixo, e aí não levar a um incentivo alto o suficiente para que as empresas diminuam sua poluição. Carbon Tax (Escandinavia, França)

Devemos lembrar que a distribuição desses recursos pela economia também acaba sendo arbitrária e política. O governo pode decidir gastar esse dinheiro arrecadado em saúde, educação, parte pode esvaecer-se via corrupção - enfim esse dinheiro pode ser distribuído de maneira ineficiente, e via de regra não acaba sendo empregado em novas tecnologias menos poluentes ou incentivando novas maneiras de produção mais limpas, como no caso do “cap and trade”.

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