🌳Dois números para 2021: um de esperança e um de urgência e espanto

31 de dezembro de 2020

Faço aqui algumas provocações e exponho dois números chocantes sobre o Brasil, carbono e mudanças climáticas: um que choca positivamente e outro negativamente. Minha meta é que ao final desta leitura vocês levem estes dois números consigo para reflexão. O primeiro: US$2 bilhões. Estou convicto que com dois bilhões de dólares conseguimos montar uma “muralha verde” de áreas de proteção ao sul da Amazônia e salvar - ou pelo menos estancar - o desmatamento num curtíssimo prazo. A área de desmatamento, onde a fronteira agropecuária está invadindo a Amazônia, é de 15 a 20 milhões de hectares. Ao preço médio de 100 dólares por hectare, compra-se toda essa área e geram-se 5 créditos de carbono ao ano por 30 anos. Vendidos ao preço de atacado internacional de 5 dólares, seria um retorno de 25 dólares por hectare (que custa 100 dólares). Ou seja: com menos de US$ 2 bilhões, salva-se a Amazônia e gera-se retorno de mais de 25% ao ano por 30 anos. Modelo existente, testado, independente de política pública ou ciência. Só precisamos de dinheiro. O segundo número: 10 campos de futebol de floresta. O número é chocante e alarmista. Conte em voz alta de 1 a 10: “1 2 3 4 5 6 7 8 9 10”. Ao acabar de contar, teremos perdido 10 hectares de floresta no mundo (o equivalente a 10 campos de futebol). Durante a sua leitura deste texto, perderemos 15 hectares de Floresta Amazônica. É absurdo o nível de desmatamento e de emissões de gases de efeito estufa no mundo. Para dar uma ideia, esse ano perderemos 29 milhões de hectares de floresta pelo mundo. Essa área é maior que o Estado de São Paulo: a cada ano, estamos perdendo o Estado de São Paulo de floresta nativa pelo mundo, e boa parte desta perda acontece na nossa Amazônia. Se vocês se lembrarem desses dois números, da gravidade do desmatamento e da simplicidade da potencial solução, já terei atingido o meu objetivo. Há muitos e muitos anos a ciência vem alertando para a gravidade do cenário que nós teremos. Não é uma coisa nova. Às vezes, parece que o mundo acordou para isso agora (como evidenciado pela declaração do presidente da Petrobrás, o senhor Castello branco, que disse que neutralizar carbono era "modinha"). Realmente tornou-se um tema mais em voga recentemente, mas o exército americano, a NASA, a EPA, ou seja, as principais agências de ciência e inteligência dos Estados Unidos, já reconhecem há 50 anos que existe aquecimento global e que ele é antropológico (é causado pelo homem). Mais exatamente, de acordo com a Nasa, 97% dos cientistas do mundo já afirmam que há aquecimento global antropogênico. Consenso maior que esse, só que a Terra é redonda (e mesmo para esse há os contestadores). Se pudermos criticar algo da ciência, é que ela falhou absurdamente em alertar o mundo sobre a gravidade do que está por vir (aliás essa conclusão não é nem minha, é do jornalista David Wallace Wells, que escreveu um livro que chama a “Terra Inabitável” que eu recomendo a todos). Se não leram esse livro, recomendo fortemente que leiam. É um choque para todos nós como sociedade, humanidade. A ciência falhou e não foi alarmista o suficiente ao explicar os riscos e consequências de mudanças climáticas em termos muito técnicos - algo que a ciência deveria ter exposto de forma o mais didática possível. Exemplo: fala-se de um cenário base de aumento de 2 a 3 graus nos próximos 50 anos. O leigo, como eu, pensa: dois ou três graus são irrelevantes, num dia quente de 30 graus vai fazer 33 graus, não é nenhum fim do mundo. No entanto, este é um cenário catastrófico. Tenho uma filha que nasceu ano passado e tem um ano e meio. Quando a Olivia tiver 50 anos e estiver na flor da idade, ela viverá neste mundo mais quente, este do cenário base. Não estou falando de 2 ou 3 desvio padrão, de um risco baixíssimo de que se concretize o cenário abaixo, estamos falando do cenário base, um onde:

  • Todas as cidades litorâneas do mundo estarão debaixo d'água;

  • A produção de comida será de 30 a 50 por cento menor do que a atual

  • Zonas tropicais do mundo estão inabitáveis: no Rio de Janeiro, por exemplo, onde quando faz 40 a 45 graus no verão, fará 60.

Esse é o cenário que a Olivia presenciará durante a sua vida se não mudarmos nossos hábitos e agirmos fortemente contra mudanças climáticas e reduzirmos emissões nos próximos 5 a 10 anos. Temos 5 a 10 anos para resolver essa ameaça existencial à humanidade, e o relógio está correndo. Houve essa falha gritante da ciência em conscientizar a sociedade, mas há soluções. O Brasil tem um papel fundamental nesta nossa missão conjunta como humanidade, porque temos a maior bacia do carbono do mundo. O Brasil é a Arábia Saudita do carbono. Quem afirmou isso não fui eu, foi uma das maiores gestoras globais de recursos do carbono do mundo, a Schroders. Metade de uma árvore é carbono. E, de acordo com a FAO, metade do carbono total do mundo está no Brasil: é a maior reserva de carbono do mundo. Para dar uma ideia da relevância deste número, a Arábia Saudita tem 17 por cento das reservas de petróleo do mundo, ou seja, a nossa relevância em relação ao carbono é equivalente a 3 vezes a relevância da Arábia Saudita em relação ao petróleo. É uma riqueza absurda por diversas razões, mas será especialmente estratégica e rentável num mundo onde a humanidade regulará e reduzirá sua poluição através do sistema de créditos de carbono. A certificação da proteção de nossas florestas via créditos de carbono levará à salvação do planeta e a uma geração de riqueza inacreditável para o Brasil. O mundo emite 55 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa. Para dar uma ideia, uma tonelada métrica de dióxido de carbono é um balão do tamanho de uma casa. Estamos soltando 55 bilhões destes balões de gás carbônico para atmosfera. Por ano. São 9 balões de gás carbônico do tamanho de uma casa por pessoa viva no mundo. Esse número de emissões 12 anos atrás era de 25 bilhões. Um balão de CO2: cada um de nós no mundo solta 9 destes por ano na média para a atmosfera.

Esse desastre foi causado pelo crescimento e industrialização da China e da índia - ao contrário do que se propaga, emissões nos EUA, Europa, Japão e Austrália têm decrescido nos últimos 20 anos. Dos 55 bilhões de toneladas, somente 12 bilhões são mitigados. E desses 12 bilhões de mitigação, 11,9 bilhões, ou seja, quase toda (mais de 99%) é feita via compras de créditos em mercados regulados.

Nós no Brasil desconhecemos esse mercado porque o Brasil não é regulado (somente o setor de combustíveis é regulado e obrigatório, via o programa Renova Bio e os CBIOs, regidos pela ANP), mas as principais economias do mundo hoje em dia são reguladas. Os Estados Unidos nunca assinaram Kyoto ou o acordo de Paris no nível federal, mas regular sobre carbono é uma prerrogativa dos estados (análogo à regulação da cannabis). A Califórnia, os estados da Costa Leste, reunidos num sistema chamado RGGI, e o Havaí são regulados. Também são regulados o Japão, a Austrália, a Nova Zelândia, Coreia do Sul, as províncias canadenses e a Europa. Esse ano a China, a maior emissora (20%) do mundo, se regulou. Enfim, 70% por cento do PIB global hoje em dia é regulado. Nestas jurisdições, empresas que poluem mais que sua meta anual são forçadas por seus governos e reguladores a comprar créditos de carbono de empresas que emitem menos que a meta.

Pois bem, há uma franjinha de 100 milhões de toneladas (menos de 1% dos 12 bilhões totais) que está no mercado voluntário. A oferta (geração de créditos de carbono) neste mercado global e paralelo ao regulado, o voluntário, vem de projetos ambientais. Nessa franjinha de 100 milhões de toneladas, 50% provêm de projetos florestais (reflorestamento e conservação de florestas nativas). O Brasil emite 5 milhões de créditos de carbono no mercado voluntário por ano. A gestora Schroders calculou, e vários cientistas confirmam, que o nosso potencial é de certificar 1 bilhão e meio de créditos por ano (300 vezes mais). Só do Brasil atingir a sua participação de mercado natural pela participação das florestas do mundo que tem, já o levaria a certificar entre 40 e 50 milhões de créditos de carbono por ano (um crescimento de 8 a 10 vezes). Esse 1 bilhão e meio de toneladas, pelo preço médio de 30 dólares atual da Europa, levaria a uma geração de riqueza ao Brasil de 45 bilhões de dólares (basicamente exportações): 45 bilhões de dólares equivaleria a crescimento extra para o Brasil de 3% ao ano. Está aí a solução para proteger a Amazônia, combater mudanças climáticas e aumentar o crescimento do Brasil: expandir nossa atuação e presença no mercado de créditos de carbono. Isso não é uma esperança, a solução já existe. Eu vou dar um exemplo concreto dos números desse setor. Na Moss, nós compramos créditos de carbono no atacado e vendemos no varejo. Um hectare de floresta nativa na Amazônia custa ao redor de 100 dólares, Para certificar carbono em projeto de conservação, a área tem que ser enorme, maior que 50 mil hectares, pois o processo de auditoria e registro é caríssimo, ao redor de 300 a 500 mil dólares, e dura 3 anos na média. Compra-se uma área no sul da Amazônia de 100 mil hectares por 10 milhões de dólares. Nas áreas de maior desmatamento, uma área destas vai gerar ao redor de 500 mil toneladas ao ano, que multiplicado pelo preço de atacado de créditos de carbono de 5 dólares, levará a faturamento anual de 2,5 milhões de dólares - equivalente a um retorno de 25 por cento ao ano. Por 30 anos. Esse retorno considera um preço de atacado que está num “low” histórico. Se o preço do crédito estivesse no nível de dez anos atrás de 10 a 15 dólares, o retorno seria de 50% em dólares. Quem não gostaria de obter um retorno de 20% dólares e conservar uma área de 100 mil hectares da Floresta Amazônica? Como referência do tamanho de tal área, a grande São Paulo tem 150 mil hectares. São áreas enormes. Portanto, a solução para o desmatamento já existe: comprar terra com floresta para emitir créditos de carbono. Segue mais um exemplo que saiu recentemente na revista Exame, a fazenda Ituxi, que foi o nosso primeiro projeto de grande sucesso. Nós compramos créditos de carbono de seu dono, o Ricardo Stoppe, para vender para empresas e pessoas físicas que queiram compensar sua pegada de carbono. Compramos um estoque não vendido de uma área em Lábrea, que chama Ituxi, de 150 mil hectares. 150.000 hectares é uma área do tamanho da cidade de São Paulo. Nós compramos os créditos por 18 milhões de reais. O dono do projeto não havia vendido créditos de carbono há dez anos. E era motivo de chacota de seus vizinhos, que o incentivaram a desmatar para plantar soja ou criar gado etc. Desde que ele recebeu 18 milhões de reais, a atitude de seus vizinhos mudou drasticamente. Agora está todo mundo louco atrás dele para certificar e gerar o “tal do carbono.” O Ricardo me manda mensagens diariamente de vizinhos e proprietários querendo fazer o mesmo: ganhar dinheiro conservando através da certificação e venda de carbono, ao invés do desmatamento e plantio de soja. Esse efeito cascata, de correr a notícia de que a certificação de grandes áreas de proteção da Amazônia dá muito retorno, é muito poderoso e muito rápido. É o famoso efeito de rede que vemos na internet e mídias sociais. O sistema já existe e já foi testado extensivamente. O mercado voluntário não depende de política pública, é um setor basicamente privado e o Brasil é uma potência neste setor. É chocante saber que estamos sentados numa mina de ouro (verde) que tem um modelo testado para sua exploração há 20 anos - internacional e digital - e AINDA NÃO COMEÇAMOS A EXPLORÁ-LA. Uma vez certificados, os créditos são selos digitais que ficam em registros na Califórnia ou em Washington DC, e lá estão protegidos. Ou seja, mesmo se o nosso país por desgraça tornar-se uma Coréia do Norte ou uma Cuba (e haja expropriação de propriedade privada), os certificados estariam protegidos lá fora, e são um grande potencial de exportação para o Brasil. Outro grande potencial que eu gostaria de mencionar para o Brasil e para a Amazônia especificamente para a defesa do meio ambiente é que o Brasil também é uma potência no ecoturismo. E é totalmente absurdo o quão subdesenvolvido é este setor. O Brasil tem 6 milhões de turistas estrangeiros ao ano. Quem já foi visitar Machu Picchu, tem que passar por Lima, onde há um shopping vizinho na praia que se chama Larcomar. Esse shopping tem mais turistas estrangeiros que o Brasil inteiro em um ano. Isso é um completo absurdo. O Peru, país mínimo em relação ao Brasil, tem mais turistas estrangeiros que a gente. Possuímos parques naturais e poderíamos fazer milhares de concessões. O Brasil é uma potência absurda neste setor e daria para viabilizar muitos negócios na Amazônia. O Brasil tem ao redor de 10 ou 11 milhões de visitantes de parques naturais ao todo e uma população de 210 milhões. Os Estados Unidos têm uma população de 300 milhões e tem 330 milhões de visitantes em seus parques nacionais ou estaduais por ano. Que gringo não quer conhecer a Amazônia? O turismo no México traz 35 milhões turistas estrangeiros e 50 bi USD (5% PIB) ao ano. No Brasil temos 6 milhões ao ano, menos que o shopping Larcomar em Lima (quem já foi sabe qual é, aquele na falésia em Miraflores). Outra insanidade do nosso país, quanto de receita geraria um ecoturismo bem feito na Amazônia? Não me venham com "falta de infraestrutura". Tem gente q vai ate Ruanda ver gorilas da montanha (mais que o Brasil, de novo). 100K estrangeiros na Amazônia. 1 milhão em Ruanda. Albânia tem 5.4mm x 6.5mm Brasil. E por aí vai. Nada contra a Albânia, mas quem conhece algum turista que já foi pra lá? A Namíbia tornou-se potência do ecoturismo em poucos anos. País desconhecido e que não tem de longe a marca que o Brasil e Amazônia tem.

Portanto, temos esse enorme potencial no setor de créditos de carbono e gigante potencial no ecoturismo. No setor de crédito de carbono voluntário, já está havendo um boom absurdo. Há uma oferta anual de 100 milhões de toneladas. Como o setor ficou num limbo por muitos anos, e essa oferta demora muito a vir ao mercado (o processo de certificação é muito rigoroso), a oferta estará relativamente estável por anos. Mas a demanda está explodindo. Quantas vezes a gente abre o jornal ou vê no nosso celular uma nova empresa gigantesca do tamanho de uma Apple, Microsoft ou Amazon anunciando compromissos voluntários de compensação? A Apple, quando anuncia compensação voluntária, quer comprar créditos de carbono para fazer frente à sua emissão de gases de efeito estufa. Ela tem duas opções: créditos de carbono regulados da Europa ou nos Estados Unidos, que custam 30 a 35 dólares, de uma empresa que polui menos que a meta anual, ou um crédito de carbono do mercado voluntário gerado na Amazônia que custa 5 dólares e leva à preservação da floresta, fauna e flora e recursos hídricos e relevantes impactos sociais locais. A escolha é óbvia. Essa demanda está vindo para cá. As contas são assombrosas. Se somarmos a demanda de todas empresas que fizeram “neutral pledges” esse ano, como Apple, Microsoft, Amazon, Unilever, Bradesco, Vivo, chegamos a 400 milhões de toneladas, ou seja, o preço vai subir. E o Brasil pode suprir toda essa demanda. Sozinho. Incentivo fortemente a todos que estudem mais esses mercados, de carbono e ecoturismo: são soluções de crescimento rápido e de preservação para o nosso país e de nosso planeta.

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